sábado, 17 de janeiro de 2009

Oração da hipocrisia

Perdoai-nos Senhor, por nossa hipocrisia cotidiana. Princípios bonitos nos transbordam da boca, escritos em mensagens de Páscoa e Natal, ornamentadores de discursos, agregadores de prédicas, colados nos átrios das instituições e no quadro de avisos de empresas. Frases melosas recortadas em agendas, proclamadas aos filhos e os jovens em formaturas e eventos. Tudo falsidade, contos da Carochinha nas tardes de hospícios.
Dinheiro não traz felicidade. Mas por ele vivemos, uns trabalham, outros roubam. O elixir da juventude eternamente buscado. Na sua falta, assume o estresse, uma angústia inexplicável cava úlceras no estômago. A família nos acusa de derrotados, a sociedade nos impinge o desprezo, os pretensos amigos nos ridicularizam.
As aparências enganam, o essencial é invisível aos olhos. E abarrotam-se as clínicas de plásticas sobre o visível. Cultivamos o corpo, valorizamos a roupa e o automóvel, pensamos por um mês ou mais nas roupas de uma festa. Como são importantes as colunas sociais com seu a comentários sobre chiques e bregas, seus elogios ao fútil e ao efêmero. E promovemos concurso de beleza, e compramos revista de decoração. Decoramos a casa e o escritório com os tons do momento, e contratamos assessores visuais na arquitetura de lojas e igrejas. E pintamos o cabelo, Senhor, fazemos implantes, clareamos os dentes e colocamos aparelho. Rejeita-se o feio, o gordo, o velho. Nas feiras e bancos, na televisão e nos restaurantes, as moças bonitos e os moços sarados lideram as frentes.
Todos são iguais perante a lei. Na prática, há muitos pesos e medidas. Somos todos diferentes. Algumas penas, inexplicavelmente se abrandam; outras, imperiosamente, se agravam. A terra do presidente não se iguala à dos índios. A uns, empréstimos; a outros, impostos. Pobre sempre mata por motivo fútil, rico age por violenta emoção.
A vida é o mais importante, dizem as camisetas. E fumamos, e bebemos, e usamos drogas. Senhor, é justa a morte na defesa dos bens com suor adquiridos, não achais? Matar pela honra é nobre. Contaminamos a água, envenenamos a terra, cobramos royalties por remédios. Salvar o sistema financeiro é mais importante do que matar a fome. Fazemos armas, e encarceramos os homicidas. Fabricamos carros potentíssimos, e penalizamos os velozes.
Estudar é preciso, insiste o pai no almoço. À tarde, idolatramos os jogadores de futebol analfabetos ganhando mais que juízes e professores universitários. No outro dia, a mãe tira a filha da escola para um teste na agência de modelos. Ontem, o bebê filmou um comercial de shopping.
A cultura salvara o país, Senhor, diz a apresentadora de televisão. Logo depois, entrevista um cantor milionário e ignorante que opina professoralmente sobre as relações familiares e o futuro do jovem, no país onde bundas vendem mais que Chico Buarque. Nação consumidora de revista de fofoca, que crê ser Raquel de Queiroz uma personagem de novela mexicana. Quantos apreciam o teatro, o cinema de qualidade, os recitais de música? Por que sabemos mais de Joana Prado que de Amélia Prado?
Perdoai-nos, Senhor, por nossa hipocrisia. Perdoai-nos porque não só não sabemos o que é feito, o que é dito, o que é visto, o que é desejado, o que somos, o que esperamos, o que valorizamos. Nem sequer sabemos o que escrevemos e o que rezamos.
Mas eu desejo mudar, Senhor. Prefiro a felicidade ao dinheiro, a essência à aparência, a justiça ao privilégio, a vida à economia, o estudo à fama, a cultura ao consumo, a espiritualidade às coisas. Amém!

P.S -Senhor, desculpai-me, mas acho que me empolguei um pouco. Deixa-me pensar mais no assunto. Preciso terminar minha leitura de Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas. Aliás, você como Deus tem um enorme potencial sabia?

De Pablo Morenno

3 comentários:

  1. perfeito!!! uma pérola... bjus

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  2. Caraca, eu sou hipócrita...

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  3. Quero a poder ver no espelho não a minha bela aparência, mas a minha obesa essência!

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